A arqueóloga Valdirene do
Carmo Ambiel abriu os caixões e examinou os restos mortais do imperador, de
Dona Leopoldina e de Dona Amélia. Entenda o que ela descobriu.
As mãos
ainda bem conservadas de Dona Amélia, segunda mulher de Dom Pedro I
Dois
séculos depois, os restos mortais de Dom Pedro I e de suas duas mulheres, Dona
Leopoldina e Dona Amélia, foram pela primeira vez exumados para estudo. Realizados em sigilo entre fevereiro e setembro
de 2012 pela historiadora e arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel, os estudos
revelam fatos até então desconhecidos da família imperial brasileira e compõem
um retrato jamais visto dos personagens históricos, cujos corpos estão na
cripta do Parque da Independência, na cidade de São Paulo, desde 1972.
Após
removerem os tampões de granito de 400 quilos que cobriam os caixões de Dom
Pedro I e de Dona Leopoldina, e aberto o nicho de parede de Dona Amélia, os
pesquisadores fizeram uma lista minuciosa do que havia dentro de cada urna.
Encontraram medalhas e insígnias de ordens de Portugal, joias de surpreendente baixa qualidade e até
cartões de visita deixados por gente que acompanhou os trasladados até o
Ipiranga.
Os corpos
passaram por diversos exames na Faculdade de Medicina da USP
Ao longo
de três madrugadas, os restos mortais da família imperial foram ainda
transportados à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), para
passarem por sessões de tomografias e ressonância magnética. Pela primeira vez,
o maior complexo hospitalar do Brasil foi usado para pesquisar personagens
históricos. Dom Pedro I, Dona Leopoldina e Dona Amélia foram transformadas em
ilustres pacientes, com fichas cadastrais, equipe médica e direito à bateria de
exames.
Os
resultados de toda essa pesquisa foram divulgados durante a defesa do mestrado de Valdirene, no Museu de Arqueologia e Etnologia
da Universidade de São Paulo (USP).
Dom Pedro
I
Foi descoberto que a roupa militar com que Dom Pedro I foi enterrado, uma túnica provavelmente marrom e calça branca, tinham 54 botões ao todo, a maioria de metal, com brasão da coroa portuguesa em alto relevo. Ele usava botas, que entraram quase completamente em decomposição por causa da umidade. Restaram apenas dois saltos de couro e duas esporas de metal. Havia também botões feitos de osso, usados na época principalmente em cuecas.
A partir
dos exames realizados na USP, descobriu-se ainda que, ao longo de sua vida, Dom
Pedro I fraturou quatro costelas, todas do lado esquerdo, fato que praticamente
inutilizou um de seus pulmões e pode ter ajudado a piorar a tuberculose que o
matou aos 36 anos de idade, em 1834. Os ferimentos constatados foram resultado
de dois acidentes a cavalo (queda e quebra de carruagem), em 1823 e 1829, ambos
no Rio de Janeiro.
Os restos
mortais de Dom Pedro I, morto em 1834
Mas o que
deixou os cientistas mais surpresos foi o fato de não haver nenhuma comenda de
ordens brasileiras entre as insígnias com que o imperador foi enterrado.
"Esperava pelo menos a Ordem da Rosa, criada pelo próprio Dom Pedro I aqui
no Brasil, para homenagear Dona Amélia. Foi uma pequena decepção", diz
Valdirene. A única menção ao período que governou o país foi uma expressão
gravada na tampa do caixão:
“Primeiro Imperador do Brasil”.
Dona
Leopoldina
A pesquisa arqueológica revelou que a imperatriz Leopoldina foi enterrada exatamente com a mesma roupa que vestiu na coroação do marido, Dom Pedro I, em 1822, até mesmo com a faixa de imperatriz do Brasil. A informação foi obtida ao comparar as tomografias realizadas no Hospital das Clínicas com um retrato da imperatriz de 1826. O exame mostrou ornamentos idênticos aos da pintura. "O tomógrafo fatiou a imagem para que só aparecesse o bordado com fios de ouro e prata. Comparando com o retrato, entendemos que era a ‘carteira de identidade’ de Leopoldina", afirma o diretor do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) Carlos Augusto Pasqualucci.
Os restos
mortais de Dona Leopoldina, primeira mulher de Dom Pedro I
O estudo
também desmente a versão histórica – já quase tratada como
"lenda" – de que Leopoldina teria caído ou sido derrubada por
Dom Pedro de uma escada no palácio da Quinta da Boa Vista, então residência da
família real. Segundo a versão, propalada por alguns historiadores, ela teria
fraturado o fêmur. Nas análises no Instituto de Radiologia da USP, porém, não
foi constatada nenhuma fratura nos ossos da imperatriz.
Dona
Amélia
No caso da segunda mulher de Dom Pedro I, Dona Amélia de Leuchtenberg, a descoberta mais surpreendente veio antes ainda de que fosse levada ao hospital: ao abrir o caixão, a arqueóloga descobriu que a imperatriz está mumificada, fato que até hoje era desconhecido em sua biografia. O corpo da imperatriz, embora enegrecido, está preservado, inclusive cabelos, unhas e cílios. Entre as mãos de pele intacta, ela segura um crucifixo de madeira e metal.
Os restos
mortais de Dona Amélia, mumificado em 1873, dias após sua morte
Em meio
ao material histórico, houve espaço para curiosidades mais recentes: dentro do
caixão do imperador foram colocados 24 cartões de visita, de militares,
dentistas, diplomatas, brasileiros e portugueses. "Foram colocados no traslado
dos restos do imperador ao Brasil, em 1972. É gente que gostaria de ser
‘lembrada’, mas não vamos divulgar os nomes", diz a pesquisadora.
Exposição
As medalhas, botões e fragmentos de vestes recolhidos dos caixões do imperador e de suas mulheres, que agora fazem parte do acervo do Departamento de Patrimônio Histórico da capital, devem ser expostos ao público em breve. A Secretaria Municipal de Cultura afirmou que há intenção de expor as peças em vitrines blindadas dentro do próprio Monumento à Independência. Ainda não há data prevista para a exposição.A pesquisa será ainda transformada em documentário. Cerca de 800 horas de imagens foram produzidas pelo cinegrafista Valter Muniz, que está em fase de captação de patrocínios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário