segunda-feira, 12 de setembro de 2016

INSTITUTO DE ARQUEOLOGIA CATALOGA 850 MIL ARTEFATOS DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO



Entre os achados, há objetos religiosos, louças portuguesas, cachimbos e sapato masculino, Ouro e joias. Em nove meses de trabalho, o Instituto de Arqueologia Brasileira recolheu 850 mil artefatos arqueológicos do período colonial na zona portuária do Rio de Janeiro. As descobertas devem-se às obras de revitalização do Porto Maravilha. Entre os milhares de coisas, foram achados objetos religiosos, louças portuguesas, cachimbos e um sapato masculino, que tinha um salto. Em breve, os objetos serão expostos ao público no Laboratório Aberto Urbano. Peças em ouro, brincos, anéis danificados, louças, âncoras, canhões, restos de trapiches e pedaços de ruas do século 19. 


Estes são apenas alguns dos achados arqueológicos descobertos embaixo das movimentadas ruas do Centro do Rio e que vieram à tona com as obras de revitalização da Zona Portuária. Na Avenida Rio Branco, restos de pedras que integravam o piso de ruas entre os séculos 18 e 19 são as mais recentes peças encontradas pela equipe de arqueologia contratada pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária (Cdurp). Érica Gonzalez, arqueóloga que comanda um time de mais de 70 profissionais envolvidos no mapeamento e tratamento das peças, diz que, apesar de impressionante, as descobertas já eram esperadas pelos especialistas.

 
“O Rio de Janeiro é amplamente conhecido pelo passado colonial. Não é uma surpresa. O Centro foi uma região de ocupação muito densa e os materiais achados são únicos no Brasil, representam a estrutura dessa complexidade histórica do passado”, diz. A especialista explica que o trabalho feito no Centro tem a supervisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e que todo material é pesquisado, cadastrado e passa pelo crivo do órgão para que possa ser considerado ou não  objeto de preservação.


 
Presidente da Cdurp, Alberto Silva explica que a orientação da Prefeitura do Rio é que uma parte do material seja reaproveitada nas próprias obras, desde que não haja comprometimento do cronograma. Os utensílios com relevância histórica devem compor um acervo em um laboratório de arqueologia na Gamboa, Zona Portuária, e outro na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

 
“Parte do material relevante está sendo levado para um laboratório de arqueologia da Uerj, outra a um galpão em Gamboa, onde também está sendo construído outro laboratório arqueológico, e uma terceira parte armazenada em um canteiro de obras da Porto Novo, perto da rodoviária”, disse.

Porto dos escravos

Para Alberto Silva, a região do antigo Cais do Valongo – porto por onde passaram milhões de africanos que foram escravizados no período colonial no Brasil até 1843 – representa uma das surpresas neste trabalho de escavação.

 
“A gente sabia que estava ali, mas não tinha certeza do estado de preservação. No local há marcas de outras intervenções urbanas, feitas ao longo das últimas décadas, outras obras que cortaram a região para a estrutura de drenagem, água, gás e parte elétrica. Mas, o estado de conservação do cais foi uma das únicas surpresas, sendo preservado como uma janela arqueológica”, explicou.

 
A região do Cais do Valongo possui cerca de 350 metros de comprimento, vai da Rua Coelho e Castro até a Rua Sacadura Cabral, e está disponível para ser observado por quem passa (veja na foto).  De acordo com Tânia Andrade Lima, professora do Museu Nacional e responsável pelo trabalho arqueológico nesta região, o auge das escavações ocorreu em 2012.

 
Nessa época, segundo ela, a equipe encontrou artefatos da cultura africana como miçangas, amuletos, materiais usados em rituais religiosos, além de anéis feitos de piaçava, feitos para dar proteção. Após o desembarque nesse porto, tanto adultos como jovens viraram objeto de comercialização em armazéns pouco distantes dali.

 
"O Cais do Valongo tem uma relevância enorme. Damos uma atenção especial aos escravos, porque eles não tiveram a chance de relatar sua história. Enquanto em outros lugares do mundo acham-se dezenas de objetos, nesse local pudemos coletar mais de 2 mil. Um dossiê está sendo concluído para ser entregue à Unesco para que o Cais do Valongo se torne Patrimônio da Humanidade”, disse.

Museu virtual

Érica Gonzalez, que comanda a recuperação arqueológica na região da Avenida Rio Branco e em trechos das obras do Porto Maravilha, disse que um dos maiores legados desse trabalho é a criação de um museu virtual. Em um site na internet, os curiosos podem ver uma recriação científica do ambiente urbano do Rio em diferentes épocas da história, como nos séculos XVII, XVIII e XIX.

 
Segundo ela, um mapeamento arqueológico do subsolo de toda Zona Portuária foi feito, com 90% de chances de acerto. Cada descoberta, como um trecho de rua, por exemplo, serve de modelagem para recriar todo o ambiente urbano da época em questão.


 
“Não é um trabalho artístico ou um desenho do que existiu. É uma recriação científica. Nós fazemos um mapeamento com mais de 200 mapas históricos vetorizados desde o século XVII até anteontem. Depois, fazemos uma modelagem e um scanner a laser para inserir no programa. Tudo é impresso em uma impressora 3D para recriar o ambiente original”, explicou.

 
Érica disse que o projeto, chamado de Museu Virtual, começará a ser divulgado daqui a um ano, quando os primeiros resultados dessa maquete estarão finalizados. O trabalho de arqueologia na Zona Portuária, segundo a especialista, ainda deve durar dois anos, conforme o cronograma de obras.“O mais importante, do ponto de vista arqueológico, é contribuir com a história e fazer com que as pessoas saibam o que existe por debaixo de onde elas vivem.”

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